A
tradição judaico-cristã tem, como o seu pólo mais negativo e
perturbador, uma figura odiada e apontada como símbolo de tudo o que
é vil e impuro: o Diabo! O seu nome resulta do termo latim
“diabolus”,
ou seja, “aquele que separa”. É a representação de tudo o que
Deus não é, sendo a sua suposta forma original a de um anjo
querubin, que foi expulso dos Céus por nele conter o princípio da
corrupção universal. È ele a antítese de Deus, o anti-cristo que,
auxiliado pela sua ordem de demónios, é o causador da mutação do
certo para o errado e da luz para as trevas. Simboliza a parte mais
negativa de todas as coisas e é o alvo a abater na eterna luta entre
o bem e o mal.
Pensa-se
que a concepção hedionda de Lúcifer só
se veio a materializar a partir do fim do Império Romano (476 d.
c.), quando a Igreja Católica passou a ocupar o vazio de poder
deixado pela queda de Roma; a Europa via-se imersa por invasões dos
povos ditos bárbaros, sem conseguir garantir o poder absoluto do
qual resultaria a ordem social. Era preciso “demonizar” as
crenças pagãs, para que a religião cristã emergisse como nova
ferramenta do poder e do controlo sobre os diversos povos que viviam
dentro das fronteiras do decaído império Romano, fornecendo uma
base de cultura comum para um mundo extremamente diverso e
conflituoso. Para manter seu domínio sobre estas populações,
durante a "Idade das Trevas" a igreja resolveu personificar
"a encarnação do mal". Passou então a representar no
Diabo toda a maldade, os vícios, os pecados e os sofrimentos do
mundo; e também a figura de um "Demónio malévolo",
comandante de uma legião de outras criaturas das trevas em luta
eterna contra Deus, os santos e os anjos, para "corromper a
humanidade", carregando-a para a perdição do pecado,
afastando-a da "verdadeira Igreja de Cristo". Digamos que a
possibilidade de pecar, deixou de ser atribuída ao ser humano e ao
seu livre arbítrio, e foi transferida para a influência deste Ser
que, quando lhe fosse concedida a oportunidade de semear o “pecado”,
não a desdenharia.
No
entanto, na grande maioria das outras religiões, o conceito é
diferente uma vez que esta necessidade de
criar um “inimigo religioso” não foi, historicamente,
considerado premente.
Talvez
por isso, é difícil encontrarmos uma entidade que por si só seja
exclusivamente má e impura. Deuses ou Santos como Seth, Loki, Exu,
Shiva, só para citar alguns, embora complexos, conflituosos,
trapaceiros, e detentores de um forte cariz sexual, são entidades
capazes de feitos benévolos e essenciais para o equilíbrio
Universal, embora sejam muitas vezes, por ignorância, sincretisados
como os Diabos das suas religiões.
Dando alguns
exemplos vemos que:
-
Seth,
Deus egípcio guardião dos mortos, é também visto como símbolo do
supremo sacrifício pela justiça, Deus das tempestades, que permitem
a constante mutação e sobrevivência do deserto e da inteligência.
-
Exú,
Orixá Yoruba é visto como o dono da comunicação espiritual, do
poder regenerativo e da sexualidade que perpetua a espécie humana.
Segundo o Candomblé, sem Exú não há comunicação com todos os
restantes Orixás!
- Os
primeiros contos referentes à Loki
descrevem-no como bom e companheiro de Odin. Aos poucos foi-se
transformando num ser malévolo e diabólico. A ideia de mal e diabo
não existia dentro da concepção nórdica. Este aspecto foi
surgindo após o contacto com as civilizações mediterrânicas.
Muitas das suas proezas causaram grandes danos ou ferimentos, mas
geralmente Loki era suficientemente rápido para restaurar a ordem e
evitar o desastre completo, mostrando assim a sua faceta mais
positiva.
-
Shiva, o
Deus Hindu da destruição, participou activamente na formação do
Homem e é responsável pela transformação e renovação. Sem ele o
mundo parava e nada avançava.
Estas
entidades, embora perfeitamente capazes de
praticar o que hoje é considerado o “mal” não tinham, na sua
origem, conotação maléfica. Eram uma parte intrínseca pertencente
á dinâmica do todo que é o mundo.
É
certo que todos eles possuíam “incompatibilidades
históricas” com os Deuses ou Divindades considerados mais
virtuosos e bons (Loki com Odin, Esú com Oxala, Seth com Osíris e
Shiva com Vixnu), mas é importante também salientar que estes,
quando analisados á luz da actual concepção do bem e do mal, não
poderão ser considerados completamente bons, tendo também cometido
actos que não se enquadram nos estereotipo do benévolo Deus Criador
da tradição judaico-cristã.
Podemos
então aferir que, sendo verdade que em
todas as religiões existam pólos ditos “positivos” e
“negativos”, apenas na religião de tradição judaico-cristã
estes valores se apresentam como absolutos e, mais importante ainda,
em nenhuma das outras correntes religiosas, as entidades mais
controversas, se assim podermos chama-las, influenciam a capacidade
de julgamento do certo e errado inerente ao ser humano.
Provavelmente, representarão o conceito, mas não são completamente
nefastas na sua essência, fazendo parte do constante equilíbrio
universal.
Segundo
pudemos perceber ao longo deste texto, o mundo é dual e contém
princípio e fim. Esta afirmação jamais deverá
ser esquecida. Tudo que for construído um dia deverá ser destruído;
por isso o bem e o mal são partes intrínsecas do nosso ser. Somente
a possibilidade de reconstrução leva ao crescimento verdadeiro. A
busca do equilíbrio, é aceitar as duas como sendo nossas,
utilizá-las da melhor forma possível para o crescimento pessoal e
consequentemente colectivo.
Qual das
religiões tem a concepção verdadeira do exposto, ou se alguma o
terá, não é palpável… dependerá sempre da fé, crença e
orientação religiosa de cada um, respeitando assim o livre arbítrio
que em todas, o Criador Supremo nos concedeu.
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