sexta-feira, 8 de março de 2013

Candomblé em Portugal: Positivo ou Negativo



A tradição judaico-cristã tem, como o seu pólo mais negativo e perturbador, uma figura odiada e apontada como símbolo de tudo o que é vil e impuro: o Diabo! O seu nome resulta do termo latim “diabolus”, ou seja, “aquele que separa”. É a representação de tudo o que Deus não é, sendo a sua suposta forma original a de um anjo querubin, que foi expulso dos Céus por nele conter o princípio da corrupção universal. È ele a antítese de Deus, o anti-cristo que, auxiliado pela sua ordem de demónios, é o causador da mutação do certo para o errado e da luz para as trevas. Simboliza a parte mais negativa de todas as coisas e é o alvo a abater na eterna luta entre o bem e o mal.
Pensa-se que a concepção hedionda de Lúcifer só se veio a materializar a partir do fim do Império Romano (476 d. c.), quando a Igreja Católica passou a ocupar o vazio de poder deixado pela queda de Roma; a Europa via-se imersa por invasões dos povos ditos bárbaros, sem conseguir garantir o poder absoluto do qual resultaria a ordem social. Era preciso “demonizar” as crenças pagãs, para que a religião cristã emergisse como nova ferramenta do poder e do controlo sobre os diversos povos que viviam dentro das fronteiras do decaído império Romano, fornecendo uma base de cultura comum para um mundo extremamente diverso e conflituoso. Para manter seu domínio sobre estas populações, durante a "Idade das Trevas" a igreja resolveu personificar "a encarnação do mal". Passou então a representar no Diabo toda a maldade, os vícios, os pecados e os sofrimentos do mundo; e também a figura de um "Demónio malévolo", comandante de uma legião de outras criaturas das trevas em luta eterna contra Deus, os santos e os anjos, para "corromper a humanidade", carregando-a para a perdição do pecado, afastando-a da "verdadeira Igreja de Cristo". Digamos que a possibilidade de pecar, deixou de ser atribuída ao ser humano e ao seu livre arbítrio, e foi transferida para a influência deste Ser que, quando lhe fosse concedida a oportunidade de semear o “pecado”, não a desdenharia.

No entanto, na grande maioria das outras religiões, o conceito é diferente uma vez que esta necessidade de criar um “inimigo religioso” não foi, historicamente, considerado premente.
Talvez por isso, é difícil encontrarmos uma entidade que por si só seja exclusivamente má e impura. Deuses ou Santos como Seth, Loki, Exu, Shiva, só para citar alguns, embora complexos, conflituosos, trapaceiros, e detentores de um forte cariz sexual, são entidades capazes de feitos benévolos e essenciais para o equilíbrio Universal, embora sejam muitas vezes, por ignorância, sincretisados como os Diabos das suas religiões.

Dando alguns exemplos vemos que:

- Seth, Deus egípcio guardião dos mortos, é também visto como símbolo do supremo sacrifício pela justiça, Deus das tempestades, que permitem a constante mutação e sobrevivência do deserto e da inteligência.

- Exú, Orixá Yoruba é visto como o dono da comunicação espiritual, do poder regenerativo e da sexualidade que perpetua a espécie humana. Segundo o Candomblé, sem Exú não há comunicação com todos os restantes Orixás!

- Os primeiros contos referentes à Loki descrevem-no como bom e companheiro de Odin. Aos poucos foi-se transformando num ser malévolo e diabólico. A ideia de mal e diabo não existia dentro da concepção nórdica. Este aspecto foi surgindo após o contacto com as civilizações mediterrânicas. Muitas das suas proezas causaram grandes danos ou ferimentos, mas geralmente Loki era suficientemente rápido para restaurar a ordem e evitar o desastre completo, mostrando assim a sua faceta mais positiva.

- Shiva, o Deus Hindu da destruição, participou activamente na formação do Homem e é responsável pela transformação e renovação. Sem ele o mundo parava e nada avançava.

Estas entidades, embora perfeitamente capazes de praticar o que hoje é considerado o “mal” não tinham, na sua origem, conotação maléfica. Eram uma parte intrínseca pertencente á dinâmica do todo que é o mundo.
É certo que todos eles possuíam “incompatibilidades históricas” com os Deuses ou Divindades considerados mais virtuosos e bons (Loki com Odin, Esú com Oxala, Seth com Osíris e Shiva com Vixnu), mas é importante também salientar que estes, quando analisados á luz da actual concepção do bem e do mal, não poderão ser considerados completamente bons, tendo também cometido actos que não se enquadram nos estereotipo do benévolo Deus Criador da tradição judaico-cristã.
Podemos então aferir que, sendo verdade que em todas as religiões existam pólos ditos “positivos” e “negativos”, apenas na religião de tradição judaico-cristã estes valores se apresentam como absolutos e, mais importante ainda, em nenhuma das outras correntes religiosas, as entidades mais controversas, se assim podermos chama-las, influenciam a capacidade de julgamento do certo e errado inerente ao ser humano. Provavelmente, representarão o conceito, mas não são completamente nefastas na sua essência, fazendo parte do constante equilíbrio universal.
Segundo pudemos perceber ao longo deste texto, o mundo é dual e contém princípio e fim. Esta afirmação jamais deverá ser esquecida. Tudo que for construído um dia deverá ser destruído; por isso o bem e o mal são partes intrínsecas do nosso ser. Somente a possibilidade de reconstrução leva ao crescimento verdadeiro. A busca do equilíbrio, é aceitar as duas como sendo nossas, utilizá-las da melhor forma possível para o crescimento pessoal e consequentemente colectivo.
Qual das religiões tem a concepção verdadeira do exposto, ou se alguma o terá, não é palpável… dependerá sempre da fé, crença e orientação religiosa de cada um, respeitando assim o livre arbítrio que em todas, o Criador Supremo nos concedeu.  

1 comentário:

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